Apelo — Pela defesa dos direitos digitais em Portugal

Este apelo foi escrito a 20 de Junho de 2016, num blog Medium (criado somente para o efeito). Foi o início da Associação D3. Pelo seu valor histórico (mais que não seja a nível pessoal), fica também aqui guardado.


 


Aos activistas nacionais.

Viva,

Sei que não deve ser o primeiro apelo que lêem, sobre o assunto. Nem sequer o primeiro projecto dedicado a este assunto que tenta passar do papel.

Há muitos anos que faz falta quem em Portugal se dedique à luta pelos direitos digitais, de uma forma minimamente organizada e dedicada. Infelizmente, tentativas anteriores não chegaram a bom porto. Mas a necessidade de uma tal organização não diminuiu, bem pelo contrário. E a cada dia torna-se mais urgente debater e trazer para agenda e debate públicos o tema dos direitos digitais. Porque a imprensa não o fará, cada um de nós, por si só, também não o conseguirá, e as pouquíssimas entidades que têm travado esta batalha, estão sozinhas e sem voz nesta luta.

Está na altura de nos organizarmos.

Não era intenção minha ter já à partida um projecto e respectivas áreas de actuação bem delineados para vos propor, antes prefiro deixar isso para um momento posterior (e também me escuso a explicitar aqui a importância do tema dos direitos digitais. Se não compreende a expressão ou não está familiarizado os temas à sua volta, este apelo, por ora, não se destina a si — falamos mais tarde!).

Mas existem áreas que são incontornáveis: O direito à privacidade, a liberdade de expressão, a neutralidade da rede, a defesa dos direitos e interesses públicos na regulação dos direitos de autor, a oposição às medidas de vigilância massiva dos cidadãos.

Nada de original tem esta agenda, para quem conhece a americana EFF ou a europeia EDRi. Precisamos de algo semelhante, por cá.

O ovo e a galinha
Das vezes que abordei este assunto com alguém, a conversa rapidamente se direccionava para aspectos como o tipo de organização, liderança, enquadramento legal, estatutos, quotas, burocracias, custos. Como se um grupo de pessoas que defende uma ideia tivesse, antes de mais nada, que se registar num qualquer “registo nacional de grupos de pessoas que defendem coisas”. Como se a parte burocrática é que desse origem ao elemento pessoal. Como se a organização de uma estrutura fosse mais importante que o movimento que lhe deu origem. Deixemos tudo isso de lado, por agora. Todos esses aspectos são ainda meros pormenores. Porque não existirá nenhuma organização, se não houver pessoas que a apoiem, se não existir um movimento que lhe dê origem.

O meu apelo é esse, é à mobilização de pessoas. Sei que existem variadíssimas pessoas em Portugal que se interessam e vão escrevendo sobre estas temáticas, cada uma para seu lado. Sei que existem pessoas interessadas pelos temas, sei que aos problemas apresentados lhes é reconhecida relevância e necessidade urgente de respostas, mas ainda não sei se existirá vontade para dar o passo seguinte: juntar algumas dessas pessoas para tentar fundar um movimento.

E, posteriormente, existindo, de facto, um movimento, fundar-se então uma organização mais formal.

O projecto que idealizo seria de natureza civil (por oposição a um projecto político-partidário), e seria feito de modo a abranger tanta gente quanto possível.

Nele caberiam tanto o maior defensor de software livre, que se recusa a usar outro tipo de software, como o maior fã da Microsoft, que estivesse preocupado com questões de privacidade; o membro de um Partido Pirata que propõe a legalização total da partilha de ficheiros, mas também aquele que, sendo defensor do direito de autor, propugne antes de mais pela defesa do interesse público, na balança de interesses a ponderar, nesta matéria.

Um projecto em que pessoas com os mais variados pensamentos, ideias e motivações pudessem congregar, no objectivo comum da defesa dos direitos digitais.

Neste tipo de coisas, dizem-me, existem dois factores que têm o mau hábito de minar iniciativas bem intencionadas: Egos e (falta de) dinheiro. Pois bem, quanto ao primeiro, é inerente à condição humana, não lhe conheço um antídoto, mas é um factor que estará sempre presente em todo o tipo de organizações, não sendo por isso que elas não avançam. Quanto ao segundo factor, infelizmente, penso ser de assumir logo à partida que se deverá contar com orçamento zero (i.e., dependendo somente do trabalho e contribuições não-monetárias daqueles que estão directamente envolvidos). Há imensa coisa que se pode fazer com orçamento zero, nomeadamente o básico de qualquer iniciativa nos dias de hoje: um site bem estruturado com todas as informações sobre os problemas que enfrentamos e as ideias que defendemos, explicitados de modo a serem facilmente apreendidos pelo comum cidadão (é bem mais difícil do que parece). Posteriormente, havendo orçamento, outros vôos seriam possíveis. Mas não nos preocupemos com isso hoje.

Hoje, não discutimos os comos, os quandos, o quanto. Hoje, discutimos se temos pessoas e vontade. Existindo estes, o resto se seguirá.

Se for do vosso interesse participar na criação de um projecto como este, por favor manifestem-se. Medium (comentários), email, Facebook, Reddit…

Agradece-se a partilha.

EDIT: Neste momento a discussão acontece no fórum da Direitos Digitais: http://dd.indie.host/
Vide também http://direitosdigitais.pt/

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Fighting for digital rights in Portugal be like...

I created the .gif below – let's call it a short meme production – over a year ago, in August 2021. The process of creating it worked as a kind of therapy session, during my summer holidays, at a time when I was particularly down and exhausted. Little I know that one year later, in this last Summer, I would be much worse.

I didn't even have a purpose for it, it was just something I had to put out. It was a reflection on how digital rights are being defended in Portugal, and in some other countries. The situation is so ridicule, the asymmetries are so extreme, that I sometimes wonder if we are really brave or just fools. I guess we are both, we must be.