O fim de namoro entre imprensa e redes sociais – aka fact-checking
No seguimento das eleições nos EUA e do regresso do trumpismo, a Meta anunciou o fim do fact-checking no Facebook, Whatsapp e Instagram.
Algumas reações rápidas enquadram isto como um sério problema: "oh não, agora vai deixar de haver verificação de factos nas plataformas!". Mas qual verificação de factos? Essas plataformas não fazem qualquer verificação daquilo que lá metemos. Bem pelo contrário, estão completamente poluídas por desinformação. Até os scams estão fora de controlo – que o diga o Pedro Andersson. Moderação? mal se vê.
Afinal, o que foi isto do fact-checking?
A popularização do fact-checking nos últimos anos surge essencialmente por dois motivos. De um lado, as redes sociais da big tech precisavam urgentemente de passar a ideia que estavam a fazer alguma coisa sobre a imensa desinformação que por lá anda – idealmente algo que não tivesse grande impacto nas receitas que essa mesma desinformação lhes gera.
Do outro lado, uma imprensa depletada de recursos financeiros viu uma oportunidade para ganhar algum dinheiro com a sua actividade, algo deveras raro hoje em dia. O Polígrafo chegou a ser financiado em 96% pelo Facebook, que tinha também uma parceria com o Observador. Não encontro informação sobre a Prova dos Factos do Público, mas não me admirava que tivesse semelhante financiamento. E deve haver mais.
A eficácia do fact-checking no combate à desinformação é, sendo simpático, dúbia. Por diversos motivos, mas desde logo porque quem espalha e consome desinformação não é o mesmo público que consome fact-checking. E mais críticas haveria a fazer, desde a selecção dos factos à sua verificação, mas adiante.
Ter fact-checking é melhor que não ter? Claro que sim. Mas este modelo de fact-checking teve efeitos perversos. Ajudou a limpar a imagem pública do Facebook e afins e a sua actuação, ou falta dela, no combate ao lixo que tinham e continuam a ter nas suas plataformas. E colocou a imprensa numa situação de claro conflito de interesses na cobertura da big tech, algo que penso que se nota a milhas, na cobertura que fazem.
Ou seja, mais que a sua eficácia no combate à desinformação, o que justificou a popularização do fact-checking foi o alinhamento momentâneo entre os interesses das plataformas big tech e da imprensa. Um casamento de conveniência.
Nesse sentido, talvez o fim do fact-checking não seja assim tão mau.
Por um lado, a big tech começa a mostrar a sua real cara. Tem zero interesse em mudar, e tudo o que fizeram até agora nesse sentido foi, tal como o fact-checking, meramente performativo. Agora que a maré está a mudar, podem abandonar o teatro. Só para a inauguração do Trump, Apple, Amazon, Meta e OpenAI doaram cada uma um milhão de dólares. De repente, encontraram no trumpismo um parceiro muito mais sexy que a imprensa. A imprensa foi traída, o casamento acabou.
A imprensa que não leve isso a peito, já que o objectivo da big tech é sempre o mesmo, fosse quem fosse que ganhasse as eleições: manter o lucrativo modelo de negócio que beneficia da desinformação reinante, como Trump beneficia politicamente dessa mesma desinformação. Enquanto os incentivos económicos desse modelo de negócio não mudarem, nada vai mudar, e não há DSA que nos valha – mas essa é outra conversa.
Por outro lado, talvez assim a imprensa fique finalmente livre para começar a fazer jornalismo sobre o tema.
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