Uma Internet para pobrezinhos

Direito & Tecnologia #10 

Coluna no Odivelas Notícias de 16 de Dezembro de 2021


Quando foi anunciada, a tarifa social de Internet prometia muito. Uma tarifa de Internet mais acessível, que iria beneficiar famílias que passam por maiores dificuldades económicas. Num país que tem das telecomunicações mais caras da Europa e em que 20% dos agregados familiares ainda não têm Internet em casa, democratizar o acesso à Internet é uma medida fundamental.

Quando foi aprovada em Conselho de Ministros, em Maio deste ano, o Ministro de Estado, Economia e Transição Digital, Pedro Siza Vieira, anunciava aos jornalistas, em conferência de imprensa, uma ligação de 30 Mbps. O preço seria fixado pela ANACOM, com eventuais prejuízos sofridos pelas empresas de telecomunicações a poderem ser compensados pelo Governo. Posteriormente, foi remetida à ANACOM a tarefa de definir não apenas o preço, mas também os parâmetros da ligação. Embora num primeiro momento a ANACOM tenha proposto uma ligação mais fraca, após realizar uma consulta pública, a ANACOM acabou por publicar a sua decisão sobre as característica da tarifa social de Internet, estabelecendo os seguintes valores (download / upload / tráfego): 30 Mbps / 3 Mbps / 30 GB, por cerca de € 6,15/mês, mais o preço dos equipamentos. A ANACOM justificou a necessidade de melhorar as características da ligação, por ser uma ligação que se destina a agregados familiares, e portanto deve conseguir suportar a utilização por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Além disso, considerou a ANACOM que tal ligação teria “impacto negligenciável nos prestadores”. Infelizmente, o Governo cedeu à pressão dos operadores de telecomunicações, tendo rejeitado os valores definidos pela ANACOM. Mantendo o preço, o Governo fixou as seguintes características: 12 Mbps / 2 Mbps / 15 GB. Ou seja, cortou pela metade, ou nem isso, a tarifa social da Internet, transformando-a assim numa mera “Internet dos Pobrezinhos”.

É de lamentar que a intervenção do Governo nesta questão tenha sido ficar do lado dos operadores de telecomunicações, em vez de defender os interesses das camadas mais desprotegidas da população. No século XXI, a conectividade das camadas mais desfavorecidas da população é uma política pública fulcral. Precisamos de uma transição digital inclusiva que ofereça novas oportunidades a todos, em vez de acentuar desigualdades existentes.

Uma das prioridades da "Transição Digital" deveria ser enfrentar os sérios problemas de concorrência no mercado das telecomunicações em Portugal. Ainda esta semana a OCDE criticou as fidelizações, preços altos e baixa concorrência nas telecomunicações em Portugal. Foi este o mercado que o Governo optou por proteger.

 

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